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DESCARBONIZAÇÃO DE TRANSPORTES

DIÁLOGO 7

LITIGÂNCIA CLIMÁTICA

   USO DE INSTRUMENTOS JURÍDICOS SE CONSOLIDA COMO TENDÊNCIA INTERNACIONAL PARA COBRAR RESPOSTAS DIANTE DA CRISE CLIMÁTICA

 “Não se trata de judicializar a discussão das mudanças climáticas, mas a litigância pode ajudar o Brasil a evitar retrocessos, como por exemplo, assegurar a coerência entre compromissos firmados, leis e práticas."

Ana Toni

Instituto Clima e Sociedade (iCS)

Em continuidade à série Diálogos Futuro Sustentável, parceria entre o Instituto Clima e Sociedade (iCS) e a Embaixada da Alemanha em Brasília, especialistas nacionais e internacionais reuniram-se na capital brasileira, no dia 09 de maio, para discutir perspectivas sobre Clima e Direito. 

 

Segundo levantamento do Sabin Center, já são mais de 1000 exemplos de litígios climáticos em todo o mundo. Na opinião de Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), a urgência do tema fica evidente nas palavras da jovem Greta Thunberg, líder do movimento global das greves climáticas, para que a sua geração e as seguintes tenham direito a um futuro. O último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – IPCC foi categórico em dizer que temos apenas 12 anos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa pela metade e assim evitar uma perigosa mudança climática.

Herman Benjamin | Ministro do STJ

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Lutz Morgenstern, primeiro secretário para assuntos ambientais da Embaixada da Alemanha no Brasil, lembrou que esse tema é vanguarda e desafia diferentes áreas do conhecimento, por isso a pertinência de discuti-lo.

 

“A litigância climática é um novo fenômeno que já pode ser observado em diversos países do mundo. Cidadãos processam o Estado pela falta de ambição quanto à mudança climática. As ações judiciais contra empresas também têm crescido. O que significa esse fenômeno para a justiça, para a democracia, para os tribunais? Litigância é um tema de agora.”

Lutz Morgenstern

Primeiro Secretário para Assuntos Ambientais da Embaixada da Alemanha no Brasil

O Juiz federal Gabriel Wedy lembrou que, enquanto um dos objetivos da litigância climática é compelir os Estados a não se omitirem e agirem para evitar a emissão de gases de efeito estufa, adotando medidas preventivas, o outro é compelir entes privados a reparar danos causados em face de emissões.

“Atualmente, 76% dos litígios climáticos ocorrem nos Estados Unidos. O Brasil deu início a construção de uma doutrina sobre o assunto com as duas obras sobre o tema recentemente publicadas. Mas isso ainda vai exigir que os operadores do Direito continuem trabalhando e pesquisando sobre o tema.”

Gabriel Wedy

Juiz Federal

CASOS EMBLEMÁTICOS

Killian Doherty, Associado Jurídico na Environmental Law Alliance Worldwide (ELAW) fez um panorama sobre casos de Litigância Climática pelo mundo. O painelista trouxe casos emblemáticos envolvendo clima e direitos como: nas Filipinas, em que pescadores processaram a Chevron; Nova York versus Exxon por danos climáticos e diversas ações na América Latina e no continente africano.

“Os casos de litígios climáticos crescem por toda parte em jurisdições diferentes. A menos que governos e corporações mudem seu comportamento muito em breve, o Judiciário será uma rodada frequente para lidar com esses problemas.”

Killian Doherty

Associado Jurídico na Environmental Law Alliance Worldwide (ELAW)

Valentina Rozo, pesquisadora do Dejusticia, da Colômbia tratou do direito das atuais e futuras gerações, explicando como um grupo de jovens levou o governo do País à corte devido ao desmatamento. A ação foi iniciada em rede por crianças e adolescente entre 7 e 26 anos, de 16 cidades, reunidos pelo interesse comum na causa ambiental.

“Descobrimos que o desmatamento é responsável por mais de 90% das emissões de gases de estufa na Colômbia e que aumentou 44% em apenas um ano. Diante disso, é muito improvável que o governo cumpra o compromisso assumido com o acordo de Paris de zerar o desmatamento até 2020. Concluímos que essa omissão ameaça o nosso direito a um ambiente saudável e à vida, assegurado na Constituição colombiana e por isso apelamos à Corte.”

Valentina Rozo

Pesquisadora do Dejusticia

Noah Walker-Crawford, Consultor Legal pela Foundation for Sustainability (Stiftung Zukunftsfähigkeit), apresentou o caso do agricultor peruano que processou a RWE, maior empresa de energia da Alemanha. A companhia foi responsabilizada por suas altas emissões que ameaçavam a comunidade local devido aos riscos de inundações via derretimento das geleiras nos Andes.

“No dia sentença, a RWE perdeu mais de um milhão de euros em valor de mercado na bolsa. Assim, os grandes investidores estão começando a prestar atenção nisso. Não vamos resolver as questões climáticas, mas criamos um precedente importante. Esse tipo de litígio é uma forma de exercer pressão para aumentar a ambição climática.”

Noah Walker-Crawford

Consultor Legal pela Foundation for Sustainability (Stiftung Zukunftsfähigkeit)

Ellie Mulholland, Diretora da Commonwealth Climate and Law Initiative (CCLI), Reino Unido, falou sobre a preocupação crescente de investidores globais em relação às implicações financeiras das mudanças climáticas. Ela trouxe exemplos de petições de investidores pressionando empresas altamente emissoras a divulgarem riscos climáticos. A Exxon, por exemplo, foi pressionada por investidores devido a divulgações enganosas em relação a ativos considerados encalhados, ou seja, que não poderão ser explorados em cenários de precificação das emissões por meio de taxação e/ou mecanismos de mercado.

"As empresas e os investidores que nelas investem não terão um desempenho muito bom se seus investimentos estiverem debaixo d'água. Portanto, a integração dos riscos climáticos na tomada de decisão é uma questão de dever fiduciário dos dirigentes de fundos e empresas."

Ellie Mulholland

Diretora da Commonwealth Climate and Law Initiative (CCLI)

Ana Maria de Oliveira Nusdeo, Presidente do Instituto “O Direito por um Planeta Verde” (IDPV) e Professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) apresentou possíveis cenários para a Litigância Climática no Brasil. Ela destacou que o país vive um cenário de desconstrução de políticas, uso excessivo de medidas provisórias e decretos, que pode gerar, como consequência, conflitos de competências legislativas entre as esferas de governo. 

“Iniciativas governamentais que se confrontem às diretrizes das políticas poderiam ser levadas ao Judiciário. Se cenários de aumento de desmatamento se confirmarem pode-se pensar no questionamento desse fato. Leis estaduais podem contar metas e diretrizes com grau de especificidade maio. É preciso apertar parafusos.” 

Ana Maria de Oliveira Nusdeo

Presidente do Instituto “O Direito por um Planeta Verde” (IDPV) e Professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)

Sobre essa questão, Joana Chiavari, Analista Sênior do Climate Policy Initiative (CPI), falou que uma das particularidades é que, no Brasil, temos uma tradição de soft law, com normas principiológicas.

“Nos faltam regras mais claras. No Brasil, um terço do desmatamento acontece em terras privadas. O código florestal trouxe um novo regime jurídico com condições especiais para proprietários, mas ainda carece de implementação.” 

Joana Chiavari

Analista Sênior do Climate Policy Initiative (CPI)

A tecnologia também tem sido uma aliada para responsabilizar atores pelo desmatamento. Nivio de Freitas, Subprocurador Geral da República do Ministério Público Federal (MPF) apresentou a experiência do Amazônia Protege. Cruzando informações de satélite com dados públicos como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), o Amazônia Protege, do Ministério Público Federal, já propôs mais de 2400 ações civis públicas e indenizações da ordem de R$ 4,9 bilhões.

“Conseguimos mapear as coordenadas precisas de cada área desmatada a partir de 60 hectares. A partir dessas informações, nosso sistema já permite que consigamos propor ações e implementar medidas aos responsáveis pelo desmatamento. Essa informação, por exemplo, pode ser utilizada por mecanismos oficiais de crédito, por exemplo. Assim, conseguimos quebrar a lógica de vantagem econômica do desmatamento.”

Nivio de Freitas

Subprocurador Geral da República do Ministério Público Federal (MPF)

AÇÕES JURÍDICAS ESTRATÉGICAS

O procurador do Estado do Rio de Janeiro e sócio do escritório Vieira Rezende Advogados Carlos da Costa e Silva Filho acredita que o maior desafio é a questão do nexo de causalidade relacionada a questões climáticas.

“Vai ter de ser adotada alguma presunção, trazer o ônus da prova para o réu. O que eu gostaria de ver como resultado dos esforços de litigância climática seria uma reação em cadeia. Dar visibilidade é o grande ganho que precisamos buscar.”

Carlos da Costa e Silva Filho

Procurador do Estado do Rio de Janeiro e sócio do escritório Vieira Rezende Advogados

Pedro Hartung, Advogado e Coordenador do Programa Prioridade Absoluta do Instituto Alana, ressaltou o papel educativo de instrumentos jurídicos estratégicos. Segundo ele é importante pensar como a transformação social ocorre.

“O Litígio faz parte de uma ampla caixa de ferramentas que tem o objetivo de desenhar teoria de mudança e uma estratégia de advocacy. Outras ações estratégicas envolvendo imprensa, mobilização, campanhas, pesquisa e pareceres técnicos são necessárias para atingir tomadores de decisão e sociedade que vão sustentar e apoiar uma decisão coletiva”.

Pedro Hartung

Advogado e Coordenador do Programa Prioridade Absoluta do Instituto Alana

Maria Christina Gueorguiev, Advogada no escritório Pinheiro Neto Advogados apresentou casos práticos de litigância climática no Brasil. Entre eles, constam ações ajuizadas por algumas associações de energia que se sentiram prejudicadas por uma normativa publicada pelo Ibama impondo uma compensação de 100% das emissões por usinas termoelétricas.  Segundo ela, o Ministério das Energias pontuou que essa medida traria um incremento de custo de 40% da tarifa final para o consumidor final.

“Que lições podemos tirar disso? É preciso evitar atos infralegais, ou seja, que não tenham uma previsão legal na legislação. Nesses casos, o argumento que será sempre levantado é o princípio da legalidade, pois seria possível normatizar determinado assunto seguindo o rito aplicável de forma a garantir a efetividade da norma. Ao invés disso é judicializado e se passam anos discutindo e não se tem o resultado pretendido de proteção ambiental.”

Maria Christina Gueorguiev

Advogada no escritório Pinheiro Neto Advogados

Fabio Feldmann, Advogado e Ex-parlamentar, que teve papel fundamental na inserção da proteção ambiental na Constituição Brasileira argumenta que a litigância climática não exclui as outras agendas.

 “O meio ambiente exige abordagem holística e nem todo mundo entende isso. A mudança do clima é uma questão absolutamente estratégica e relevante. O que precisamos fazer é quebrar a indolência do poder público em relação aos nossos temas.”

Fabio Feldmann

Advogado e Ex-parlamentar

Em sua fala de encerramento do evento, Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, ressaltou que o Poder Judiciário só funciona mediante provocação. Segundo ele, se não há provocação, o Poder Judiciário fica alheio ao debate.

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“ A judicialização leva a uma publicidade que às vezes alcança uma escala planetária, como em muitos dos casos internacionais apresentados aqui, hoje. Portanto, é legítima a utilização do Poder Judiciário para garantir publicidade maior de uma questão que, do contrário, não receberia cobertura jornalística e midiática como a de uma ação civil pública.”

Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin

Ministro do Superior Tribunal de Justiça

Fotos: Lorena Monjardim

 

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